ATA DA
TRIGÉSIMA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA
LEGISLATURA, EM 17.09.1987.
Aos dezessete dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Trigésima Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada à entrega do título honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Vanoly Pereira Dias, concedido através do Projeto de Resolução nº 27/86 (proc. nº 2261/86). Às dezesseis horas e vinte minutos, constatada a existência de “quorum”, o Srª. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Verª. Gladis Mantelli, 1ª Secretária da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Virgílio Susin, Subsecretário da Casa Civil para Assuntos Extraordinários; Sr. Vanoly Pereira Dias, Homenageado; Sra. Vera Pereira Dias, esposa do Homenageado; Ver. Luiz Braz, proponente da Sessão e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, a Srª. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Luiz Braz, em nome das Bancadas do PMDB, PDS, PDT, PFL e PL, declarou-se honrado em poder homenagear o Sr. Vanoly Pereira Dias, salientando que o principal trabalho de um homem do teatro é tentar imitar a realidade, no que sua S.Sa. saiu-se muito bem. Discorreu sobre a vida artística do homenageado, ressaltando sua importância dentro da vida cultural de nossa Cidade, como autor, ator e diretor de peças teatrais. E o Ver. Lauro Hagemann, em nome da Bancada do PCB, ressaltou o trabalho do Sr. Vanoly Pereira Dias no campo das artes, dizendo de sua preocupação com os problemas sociais e sua contribuição para a cultura da Cidade, o que o tornaram merecedor do título que hoje lhe é entregue. Em continuidade, a Srª. Presidente convidou os presentes para, de pé, assistirem à entrega do título honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Vanoly Pereira Dias. Após, a Srª. Presidente concedeu a palavra ao homenageado, que agradeceu o título recebido. Em prosseguimento, a Srª. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezessete horas e cinco minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pela Verª. Gladis Mantelli e secretariados pelo Ver. Luiz Braz, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Luiz Braz, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.
A SRA. PRESIDENTE: Estão abertos os trabalhos
da presente Sessão Solene destinada à entrega do título honorífico de Cidadão
Emérito ao Sr. Vanoly Pareira Dias.
Com a palavra, o Ver. Luiz Braz, que falará pelas Bancadas do PMDB,
PDS, PDT, PFL e PL.
O SR. LUIZ BRAZ: Sra. Presidente, Srs.
Vereadores, eu até quero informar, nobre Presidente, de que fui informado,
agora, pelo Ver. Lauro Hagemann, que ela falará em nome do PCB e isso muito nos
honra porque quando nós propusemos, no ano passado, o título para o Vanoly
Pereira Dias, nós o fizemos com a certeza absoluta de que toda esta Casa que
representa o povo desta Cidade estava consciente de que prestava uma homenagem
a alguém que realmente merecia receber um título dessa importância. Sendo
assim, fico contente com as presenças do Ver. Hermes Dutra, representando o PDS
e Lauro Hagemann, que já disse que irá ocupar esta tribuna para também
enaltecer a figura do homenageado desta tarde.
Srs. Presidente Vera. Gládis Mantelli; homenageado, meu amigo, o Vanoly
Pereira Dias, o famoso Pereira Dias; Sra. Vera Pereira Dias, esposa do homenageado;
Dr. Vergílio Susin, Subsecretário da Casa Civil para Assuntos Administrativos.
Eu me sinto muito honrado porque também hoje aqui, neste Plenário, está
presente meu Professor de idéias políticas lá da faculdade Ritter dos Reis.
Muito me orgulha a sua presença e tenho certeza de que com a sua presença aqui
esta homenagem fica mais realçada, e o homenageado realmente merece.
Eu sou Jornalista, estou tentando, agora, um Diploma de Direito, mas
sempre fui homem de rádio, sempre fui afeito ao improviso, nunca fui muito de
escrever texto para jornal, tanto é que nunca escrevi em nenhum jornal da
Cidade, mas já falei em vários microfones aqui desta Cidade. Mas quando a gente
vai fazer uma homenagem da importância como nós vamos fazer hoje, a gente fica com
medo de que de repente, na hora do improviso, ser afoito demais e esquecer
alguma coisa que faça com que a homenagem não seja completa, porque, afinal de
contas, o homenageado desde os 16 anos de idade militar nesta vida de teatro,
de cinema, como ator, empresário, diretor e fica, realmente, muito difícil
falar tudo aqui de improviso, eu iria esquecer muita coisa e eu tenho certeza
que os amigos do Pereira Dias que aqui compareceram, vieram aqui e é claro que
querem ouvir tudo aquilo que se refere a este grande expoente da arte - não
apenas do Rio Grande do Sul - do Brasil. É por isso que eu colhi alguns dados
que achei, realmente, importantes para poder relatar aqui a fim de que nós
possamos iniciar esta tarde de homenagens.
O Vanoly Pereira nasceu em Carlos Barbosa, em 7 de janeiro de 1926.
Iniciou sua carreira como ator no Teatro do Povo, em Porto Alegre, com a Cia.
Iracema de Alencar, em 1942. Trabalhou, também como ator ou diretor, em teatro
de comédia, teatro de revista, teatro de operas e em televisão, com Procópio,
Bibi Ferreira, Alda Garrido, Eva Tudor, Palmeirim Silva, Jaime Costa, Valter
Pinto, Cezar Fronzi, Walter D’Ávila, Luz del Fuego, Elvira Pagã, Oscarito,
Renata Fronzi, Grande Otelo, Dulcina, Odilon e Delorges Caminha.
É sócio da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais desde 1945, tendo
escrito, traduzido ou adaptado: “A Malquerida”, de Jacinto Benavente, para
Iracema de Alencar; “Muito Amor e Nada Mais”, de Alcira de Olivá, para Alda
Garrido; que permaneceu treze meses em cartaz no Teatro Rival do Rio de
Janeiro; “O Negócio tá de pé”, revista para Luz del Fuego; “São Paulo da
Garoa”, revista para Elvira Pagã: “Cabecinha de Vento”, original para TV; Auto
de Força e Glória da Cidade de Porto Alegre”, em parceria com Demóstenes
Gonzales.
Prêmios: “O Saci, do jornal “O Estado de São Paulo”, 1951, como autor
do melhor roteiro, para o filme “Toda a Vida em Quinze minutos”, “Destaque do
Ano”, do Jornal “Krônika, e “Açorianos”, Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
1985, ambos como melhor ator na peça “O Caso Oppenheimer”.
Membro da Comissão Julgadora da “III Vindima da Canção” de Flores da
Cunha e do “VII Festival do Cinema Brasileiro de Gramado”.
Autor das músicas com José Mendes, Sidney Lima, Demóstenes Gonzales e
Teixeirinha, gravadas pela Copacabana e Chantecler.
Autor dos roteiros e Diretor de 17 filmes de longa metragem.
Diretor de televisão da TV Tupi do Rio de Janeiro, Piratini e Gaúcha de
Porto Alegre, de programas como: “Teatro de Comédia”, “Minha Rua é Assim”,
“Rainha por uma Noite”, “Teatro de Suspense”, “Noturno” e outros.
Diretor das seguintes peças: “A Falecida”, de Nelson Rodrigues, “Ana
Christie” de Eugene O’Neill, “Está lá fora um Inspetor” do Pristley, “Vestido
de Noiva” e Álbum de Família”, de Nelson Rodrigues, “Diário de Anne Frank”, de
Goodrich e Haccket, “Uma Mulher do Outro Mundo” de Noel Coward e, mais
recentemente, “Terror e Misérias do III Reich”, de Bertold Brecht.
Estes são alguns dados que são muito importantes e que eu resolvi
escrever porque realmente tinha medo que a minha memória falhasse e eu de
repente aqui ficasse sem citar passagens importantes como estas na vida de
Pereira Dias.
O grande trabalho de um homem de teatro é tentar imitar a realidade.
Quanto mais perto este homem fica da verdade natural, quanto mais realizado ele
se firma em sua carreira. No início o homem sente uma certa limitação e, com o
passar do tempo, as amarras vão se soltando e o homem vai se sentindo mais
livre, mais liberto, até que atinge o cume de sua ascensão, ou seja, o
nivelamento com as coisas da natureza. É a realidade que se transpõe para as
cenas que ele toma parte. É o momento em que o autor se confunde com o
personagem, é o passado de volta ao presente e, muitas vezes, o próprio reviver
dos mortos.
Vanoly Pereira Dias, o famoso Pereira Dias, produtor, diretor, ator e
empresário, tanto no cinema como no teatro conseguiu cumprir toda essa
trajetória que leva o homem a ser uma espécie de criador, uma divindade capaz
de vencer as barreiras que o separam da glória de ser, apenas um imitador
perfeito da realidade que nos circunda, mas alguém com competência suficiente
para influenciar essa realidade, para modificá-la chegando a inverter a ordem
normal das coisas. Pessoas assim de repente nos surpreende, chegam a tal ponto
em seu aperfeiçoamento que antecipam os próprios acontecimentos. Parece até,
certas vezes, que a natureza faz cópia do que ocorre no palco do teatro.
Essa é a grande contribuição que este homem nascido em Carlos Barboza
dá a toda a nossa nação. Divulgação da nossa cultura, através de suas peças,
através de seus filmes, quer como autor, ou como produtor e diretor. O
dia-a-dia está sempre presente em seus trabalhos, retratando o peão da estância
e o patrão, o homem simples e o refinado, a dama e a cortesã, os hábitos e os costumes
da nossa gente revelados nas cenas.
E toda a nossa sociedade praticamente presente no seu trabalho. E uma
das coisas muito importantes no trabalho de Pereira Dias é a sua preocupação
com o social, a sua preocupação em apresentar nas suas obras, nos seus
trabalhos, alguma mensagem, uma mensagem que possa vir a dar à nossa
humanidade, ao nosso povo um novo sentido, um novo caminho, uma nova direção.
Eu acredito que nós estamos hoje aqui homenageando o melhor entre aqueles que
passaram por aqui e que tentaram o caminho da arte, tanto dentro do teatro,
como dentro da televisão.
Eu sempre procurei, nas homenagens que ofereci, aqui nesta Casa,
homenagear os melhores. Foram poucas as homenagens que eu ofereci como
Vereador, talvez, em toda minha trajetória, desde 1982 eu tenha oferecido,
talvez, cinco título, cinco pessoas. Porque, as homenagens quando são por
demais, quando se homenageia a muitos sem olhar, realmente o passado dessas
pessoas, de repente acaba fazendo com que a nobreza daquele título vá se terminando.
E eu tenho, realmente, muito medo disso. É por isso que eu sempre procurei
escolher muito bem as pessoas para as quais presto homenagens, através de
títulos nobres como este.
Lembro muito bem de uma frase de Rui Barbosa que dizia assim: “Ensino sermões
aos moços”, que a regra da igualdade é obsequiar desigualmente os desiguais, na
medida em que se desigualam. E nós estamos hoje, aqui, obsequiando aquele que
conseguiu desigualar, que conseguiu estar acima dos iguais. E por estar acima
daqueles que são iguais ele hoje, aqui, recebe esta justa homenagem.
Eu não sei Pereira Dias, se o Título que nós estamos oferecendo para
você, neste exato instante, está ao alcance do seu valor, se está realmente ao
nível do valor que você tem, mas é o mínimo que a Câmara Municipal de Porto
Alegre pode oferecer, é a homenagem máxima que podemos oferecer pelo muito que
você prestou até hoje à serviço da arte, tanto no teatro, no cinema e na
televisão. E muito mais importante do que isso, fazendo com que, com a sua ação,
pudéssemos transmitir, através de suas ações como ator, empresário e diretor um
caminho novo, para que esta humanidade que, muitas vezes, se encontra perdida,
possa encontrar um novo caminho.
Meus parabéns a você que vem a esta Casa para receber um Título,
merecido e, tenho certeza absoluta, que esta Casa, neste instante, está se
sentindo muito orgulhosa em poder a maior glória que pode oferecer a alguém tão
importante como você. Nosso muito obrigado por você, realmente, estar aqui
enaltecendo esta Casa com sua presença. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Lauro
Hagemann, pelo PCB.
O SR. LAURO HAGEMANN: Sra. Presidente, Srs.
Vereadores, eu havia pedido ao Ver. Luiz Braz, que é o autor da proposição que
falasse em meu nome, porque eu havia assumido um outro compromisso e não sabia
se poderia adiá-lo ou elidi-lo, mas as circunstâncias me favoreceram e eu aqui
estou, pedindo desculpas ao Ver. Luiz Braz e dizendo ao Pereira Dias que me
sinto, também, muito honrado em estar presente nesta homenagem.
Quando a Câmara Municipal de Porto Alegre, em nome da Cidade,
reverencia aquelas pessoas que dedicaram grande parte da sua vida ao
desenvolvimento da Cidade, do Município, em todos os terrenos, ela não quer
nada mais do que ressaltar a contribuição que essa pessoas deram à vida da
Cidade. É um preito de gratidão que a Câmara em nome da Cidade presta a esses
cidadãos. E é o que estamos fazendo hoje com o Pereira Dias. O Pereira tem uma
larga e longa trajetória no cenário de Porto Alegre, do Estado e do País. O
Ver. Luiz Braz, felizmente, alinhou todas as credenciais do Pereira. Nós nos
conhecemos há muitos anos: Eu sempre digo que a vantagem do velho é ser velho.
E nós já estamos quase naquela fase do diabo velho.
Então, me animo a trazer a esta Tribuna, em meu nome e em nome do PCB a
homenagem que devemos prestar ao Pereira Dias, por tudo o que ele já fez. Quero
ressaltar uma pequena coisa que é uma grande coisa, em toda a trajetória
artística do Pereira Dias ele sempre procurou não esquecer um elemento
importante nesse processo cultural em que nos resolvemos: uma condução
política; porque isso em um homem como o Pereira Dias não pode estar ausente da
sua atividade. Embora nos terrenos das artes. O trabalho artístico não é um
trabalho da arte pela arte. Na nossa concepção a arte tem uma função social e
função política a demonstrar que o homem caminha numa direção que não é apenas
da satisfação do seu prazer intelectual, prazer, às vezes, até físico, mas é
também de se encaminhar para uma direção mais além do que nós podemos perceber.
E esta preocupação o Pereira Dias sempre teve. Muitas vezes, e isto é natural,
teve que fazer concessões. Todos nós fazemos concessões, mas nunca deixando de
percorrer aqueles caminhos que, para nós, são os mais legítimos. Aqueles que
devemos percorrer. A trajetória do homem não é apenas só a sua vontade, é a
vontade de todo o envoltório que o cerca. O Pereira ainda tem muito a nos dar.
É um homem jovem. Não jovem fisicamente, um jovem intelectual. Ainda tem um
longo caminho a percorrer. E nós auguramos que ele o percorra conosco. Por isto
que a Câmara ao homenagear, hoje, numa Sessão singela, uma pessoa que
contribuiu para o desenvolvimento artístico, social e, até, político da Cidade,
para que esta solenidade se transforme num ato de muita significação, queremos
saudar efusivamente o novo Concidadão. Para nós é muito honrosa esta companhia.
E queremos que o Pereira nos ajude a conduzir esta cidadania pelo mesmo caminho
que temos procurado trilhar. Meus parabéns, conterrâneo, e uma abraço. Muito
obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Convidamos todos os presentes, para que, em pé, façamos
a outorga do Título, e convidamos o Ver. Luiz Braz, proponente, para que faça a
entrega do mesmo. O diploma tem os seguintes dizeres: “A Câmara Municipal de
Porto Alegre confere o título honorífico de Cidadão Emérito a Vanoly Pereira
Dias, pela valiosa contribuição de seu trabalho em prol do engrandecimento da
sociedade porto-alegrense. Porto Alegre, 17 de setembro de 1987. Assinam:
Presidente, Ver. Brochado da Rocha e lª Secretária, Ver.ª Gladis Mantelli.”
(O Ver. Luiz Mantelli procede à entrega do Título.) (Palmas.)
Concedemos, neste momento, a palavra ao nosso homenageado, Sr. Vanoly
Pereira Dias.
O SR. VANOLY PEREIRA DIAS: Sra. Presidente, Srs.
Vereadores, meus amigos, meus colegas, dizer que me sinto honrado pelo título é
o óbvio. Mas vou tentar explicar o óbvio, se é possível. Tenho muito orgulho
por ter nascido em Carlos Barbosa. Me orgulho muito da Tramontina. E isto não é
comercial, porque não conheço ninguém da Tramontina e acho que ninguém dessa
empresa sabe que nasci lá, em Carlos Barbosa. Mas é um orgulho a gente estar em
Recife, São Paulo, em Londrina, como aconteceu há pouco tempo, na frente de uma
vitrine, cercado de pessoas, admirando aquela diversificação de cutelaria da
Tramontina, e poder dizer: isso aí foi feito na minha terra, na terra onde eu
nasci. Mas eu só nasci, realmente, em Carlos Barbosa. Sai de lá com menos de 1
ano de idade e só voltei lá duas ou três vezes. Uma destas vezes, passei lá de
madrugada, dormindo no banco de trás do carro. Quando chegamos a Carlos
Barbosa, o meu amigo que estava me dirigindo me chamou, dizendo que eu
acordasse para ver a minha cidade. Quando eu consegui acordar e entender o que
estava se passando, já tínhamos passado pela cidade. (Risos)
Mas cheguei em Porto Alegre em 1940 e foi aqui que terminei meus
estudos, iniciei minha carreira, me casei - todas as que me casei foi em Porto
Alegre - todos os meus filhos nasceram aqui. Mas eu sempre tinha um problema
com Porto Alegre: eu não era porto-alegrense de papel passado. Era igual
àquelas histórias das mulheres que vivem com um mesmo homem há 40 anos, têm
filhos com ele, são tidas como esposas, aceitas na sociedade como tal, mas,
sempre que podem, jogam na cara do sujeito: “Você não é casado comigo de papel
passado.” Portanto, eu não era porto-alegrense de papel passado.
Um dia, contando esta história, o meu amigo Júlio Cesar Velhinho ouviu
e disse: “Pois eu vou legalizar esta união.” Eu não entendi muito bem o que ele
disse, nem acreditei muito no Júlio Cesar. Mas eu não sei como ele conseguiu o
meu currículo e veio trazer logo as mãos de um Vereador que não é do meu
Partido, mas isto não quer dizer nada, porque hoje eu tenho a felicidade de ser
amigo também do Luiz Braz. Podia ter caído nas mãos de vários Vereadores aqui,
que também teriam o mesmo trabalho que o Braz teve. Podia ter caído nas mãos do
Paulo Sant’ana, que já foi meu ator em um filme; podia ter caído nas mãos do
Lauro Hagemann, colega dos tempos de Repórter Esso na Rádio Farroupilha e na TV
Piratini; podia ter caído nas mãos de tantos Vereadores aqui, mas caí nas mãos
dele e, hoje, sou porto-alegrense de papel passado.
Mas eu quero explicar o porquê dessa minha ânsia em querer ser
porto-alegrense: porque Porto Alegre é uma cidade cinematográfica, sou cineasta
e as cidades têm essas características, vocês sabem bem, assim como têm
escritores cinematográficos, como foi o nosso Josué Guimarães, Érico Veríssimo,
e tantos outros, basta a gente procurar e já nos entregam o roteiro quase
pronto, assim como têm autores teatrais, como o Moogan que têm peças com quase
só diálogo e é uma peça pronta, as cidades também as suas características.
Eu fiz um trabalho para a Embratur, no norte do Brasil, em oito
estados, documentários turísticos, e em Pernambuco, estava no roteiro que eu
tinha que entrevistar o Gilberto Freire para ele dizer alguma coisa sobre
Recife. Acompanhado pelo Diretor de Turismo de Recife, fui lá na casa do Freire
e, entre um licorzinho de jenipapo e outro, ele me fez esta explanação
belíssima sobre Recife: disse que Recife não era como Salvador, ou Rio de
Janeiro, cidades desavergonhadas, que se apresentavam nuas logo a primeira
vista para os visitantes, cidade despudorada; Recife não era assim, era uma
cidade encoberta por véus, era virgem moura, que era preciso que o visitante a
fosse desvendado, namorando durante algum tempo, retirando aqueles véus, para
que vislumbrasse toda a sua beleza desnuda. E Porto Alegre não é, nem a
despudorada, no entender do falecido Gilberto Freire, como ele julgava Salvador
e Rio de Janeiro, nem uma virgem moura, como Recife. Ela fica no meio termo,
que é o ideal. É preciso ver Porto Alegre por certos ângulos; não é por
qualquer ângulo que a gente vê. Porto Alegre é cinematográfica. Sabendo
procurar o ângulo, Porto Alegre é uma cidade realmente não só cinematográfica,
não só visualmente, mas também historicamente Porto Alegre é cinematográfica.
A história de Porto Alegre já é um filme. E vou contar um episódio:
certa vez, num bar em Lisboa, na época de Dom João VI, um oficial inglês
começou a falar mal do Rei de Portugal e estava presente um oficial português
que desembainhou a espada e ali mesmo matou o oficial inglês. Imediatamente a
Coroa Inglesa pediu a extradição do oficial português para julgá-lo e
condená-lo, naturalmente.
Mas a Coroa Portuguesa, em retribuição a esse herói que defendeu o nome
da Coroa, propiciou-lhe a fuga para o fim do mundo. O fim do mundo,
naturalmente era o Brasil. Mas no fim do mundo do fim do mundo era na Província
de São Pedro, cuja capital naquele tempo era Viamão. Foi propiciada a vinda do
oficial português, que se chamava Manoel Joge Sepúlveda, tem até uma avenida
aqui perto dos Correios e Telégrafos, em frente aos cais do porto homenageado
Sepúlveda. A Coroa de Portugal ainda lhe quis dar mais: deu-lhe como prêmio o
governo da Província de São Pedro e sugeriu-lhe que ele mudasse de nome para
que ficasse mais difícil sua possível localização. Em um dia desembarca aqui,
no porto de Viamão, mais ou menos onde hoje é o Estaleiro Só, José Marcelino de
Figueiredo, governador da Província de São Pedro, que era o Sepúlveda.
Vejam os senhores que o Rio Grande do Sul é azarado desde aquele tempo.
Já tinha governadores que eram assassinos foragidos da Justiça. Até isto nós
tivemos. Ainda por cima, trocando de nome. Já naquele tempo os governantes
trocavam de nome. Mas a Sepúlveda tinha uma coisa: ela era cineasta, não era
poeta mas era cineasta - naquele tempo não existia cinema -, mas era um
artista, porque ele achou Porto Alegre, o Porto dos Casais, uma maravilha, o
lugar mais lindo que ele tinha visto. Mas foi para Viamão, chegou lá e achou
aquilo horroroso e, como é comum, com um simples decreto-lei, que já naquele
tempo se usava, transferiu a capital de Viamão para Porto Alegre; decretaço. E
mudou-se para cá. Mandou construir o seu castelinho provisório, enquanto estava
construindo o Palácio Grande e, naturalmente, mandou que os Vereadores
passassem a se reunir na capital, que era aqui. Os Vereadores tinham lá suas
casas, os seu negócios, as suas terras e continuaram se reunindo em Viamão, com
a capital da Província aqui. Não dava certo. O Sepúlveda, um homem de pulso de
ferro, começou a insistir e, então, os Vereadores, naquele tempos os
legisladores da Província toda, não eram deputados, eram Vereadores. Os
Vereadores, então, resolveram o problema da seguinte maneira: eles - a reunião
era uma vez por semana -, eles vinham a Porto Alegre, a Nossa Senhora Madre de
Deus de Porto Alegre, se reuniam aqui naquele dia, às duas ou três horas da
tarde encerravam a reunião e pegavam as suas conduções e se tocavam de volta
para casa deles, em Viamão. Mas aquilo não satisfez o Sepúlveda, e ele então,
disse: “Vou acabar com isto.” Mandou construir um enorme portão de ferro, ali
onde hoje é o início da Av. João Pessoa, 2 valos intransponíveis, como diz a
História: 3 metros de largura, que saía de um lado, descia pelo André da Rocha
e saía no Guaíba. A água entrava e impedia a passagem para este valo. E do
outro lado também, o valo saía, passava pela Santa Casa e ia em direção ao
Guaíba. Então, não dava para passar pelos valos. E quando ele sabia, nos dias
das reuniões, que os Vereadores estavam encerrando a reunião, ele mandava
fechar o portão, botava duas sentinelas com armas embaladas, ninguém mais
entrava nem saía da Cidade. Aí obrigou os Vereadores a ficar em Porto Alegre e
automaticamente com o tempo se mudaram para cá. E aí a Praça ficou sendo
conhecida como Praça do Portão. Acho uma beleza o nome da Praça do Portão, não
sei porque de repente mudaram o nome - quer dizer saber a gente sabe - mudaram
o nome da Praça d’Eu que não temos nada com o Conde d’Eu, ele só veio aqui uma
vez, deu dinheiro para Santa Casa. Aliás, li por estes dias, não sei se a
Câmara toda ou se apenas alguns Vereadores estão pensando em mudar o nome, em
fazer com que a Rua da Praia volte as chamar Rua da Praia. O que nós temos com
Andradas? Vamos ficar com as nossas coisas. Que volte a se chamar Rua da Praia
e que também o Alto do Bronze volte a se chamar Alto do Bronze, e a Praça do
Portão.
Mas por eu achar Porto Alegre uma cidade cinematográfica, bonita, é que
sempre tive vontade de ser porto-alegrense, mas com papel passado. E agora
graças ao meu novo amigo e Ver. Luiz Braz, graças ao voto de todos os Senhores,
eu consigo ser cidadão porto-alegrense. Isso me honra muito. Muito obrigado.
(Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Ao ensejo do encerramento
desta Sessão cabe à presidência dos trabalhos dirigir algumas palavras aos
presentes, em especial ao nosso homenageado já que em nome da Casa os
Vereadores já tiveram oportunidades de falar. Sempre que tenho oportunidade de
presidir uma Sessão Solene, as minhas palavras começam mais ou menos da mesma
forma. É muito difícil quando se coloca de improviso algumas coisas como disse
o Ver. Luiz Braz que nós consigamos organizar o nosso pensamento de forma a não
deixarmos algumas coisas para trás. E sempre que se homenageia alguém, alguma
pessoa que vem trazida por alguém desta nossa comunidade, no caso, Vanoly foi
indicado por um Vereador nosso, desta Casa. Ver. Luiz Braz, e pelo Júlio Cesar,
pessoa que já tive a oportunidade de conhecer muitíssimos anos atrás. Não vou
dizer tanto tempo porque aí também vou começar a ficar velha. E como esta é uma
Sessão que está se caracterizando pelo seu informalismo, já que o nosso
homenageado é uma pessoa que trabalha com arte, com cinema e é um autor
fundamentalmente e foi, mais uma vez, ao usar a tribuna, usou dessa sua
qualidade de ator, eu também vou lembrar um pouquinho meus tempos de teatro e
também vou ser um pouquinho de atriz, aqui, se me permitirem.
Na realidade, eu vou te chamar de Pereira Dias, teu nome de guerra, é o
nome pelo qual você é conhecido por esta comunidade, por seus amigos e pelas
pessoas que estão aqui. Esta Casa procura sempre interpretar o desejo ou aquela
manifestação da população desta Cidade. Eu já tenho dito em outras
oportunidades que fazer arte neste País é uma coisa muito difícil, que alguns
de nós, em participar tu és um deles, tem tentado resistir heroicamente este
processo, tem tentado de alguma forma, com toda a sua garra, com toda a sua
gana interna insistir que fazer arte é uma coisa muito importante. Que a
sociedade precisa de cultura, que precisa das suas manifestações artísticas,
por mais que nós sejamos vistos com as pessoas que trabalham com arte, com os
olhos meios atravessados, mas as pessoas que trabalham com arte não ligam,
seguem adiante, seguem por seu caminho, seguem na sua rota e fazem aquilo que
precisa ser feito, porque um povo sem arte é um povo sem nada.
E nós, povo de Porto Alegre, através de seus representantes aqui nesta
Casa, agradecemos Pereira Dias pela sua luta, pela tua garra, pelo fato de não
teres desistido, de fazer a tua arte de várias formas quer como ator, quer como
diretor, quer como alguém que se compôs música, quer dizer, quer como alguém
que acha que a arte é importante e que esta arte deve ser levada ao povo de
qualquer forma, mesmo com enormes sacrifícios pessoais. Porto Alegre, hoje, te
recebe, de papel passado, como seu filho, através desta Câmara e te cumprimenta
pelo teu esforço. Muito obrigada. (Palmas.)
Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.
(Levanta-se a Sessão às 17h05min.)
* * * * *